Quando vi o filme 28 Dias pela primeira vez, fiquei com uma sensação estranha. Por um lado, senti-me representada de uma forma que nunca tinha visto antes. Por outro, percebi que Hollywood tem o dom de suavizar aquilo que, na vida real, é caótico, cru e por vezes quase impossível de explicar. Mesmo assim, foi impossível não me identificar com a jornada de Gwen – as desculpas, os erros, a dor de bater no fundo, e, finalmente, a tentativa de recomeçar.
Este filme retrata muitas verdades sobre a adição e a recuperação, mas há tanto que fica de fora, tanto que só quem passou por isso realmente entende. Hoje quero partilhar a minha experiência: o que o filme acertou, o que não acertou e como a vida real me ensinou que a recuperação começa por dentro – com a relação que temos connosco próprios e com a nossa vida. E prometo que, no meio de tudo isto, há espaço para rir (porque às vezes rir é a única forma de seguir em frente).
O Reflexo da Minha Vida no Filme
Há uma cena no filme que me tocou profundamente, como um murro no estômago: quando a irmã de Gwen, cheia de tristeza e de amor, lhe diz que a ama mais do que tudo, mas que já não consegue lidar com o impacto da sua adição. Para mim, foi impossível não pensar na minha própria irmã.
A minha irmã sempre foi a minha maior aliada, mas também a minha maior crítica quando eu precisava de ouvir verdades. Foi talvez a primeira pessoa a perceber que eu tinha um problema, depois do meu Pai, muito antes de eu admitir isso para mim mesma. Tal como no filme, houve momentos em que ela tentou salvar-me e eu não quis ser salva. Há uma barreira que a adição cria – uma barreira que faz com que rejeites ajuda, mesmo quando ela vem da pessoa que mais amas.
Quando vi aquela cena, percebi duas coisas: primeiro, que o meu vício não era só meu. Ele afetava profundamente as pessoas à minha volta. E segundo, que o amor da minha irmã, mesmo nos momentos em que parecia ser duro, era uma das coisas que me estava a manter viva. Foi esse amor – tão parecido com o que vemos no filme – que me ajudou a querer ser melhor e a lutar por mim mesma.
A Vida Real da Reabilitação
Se há algo que o filme simplifica, é a reabilitação. No ecrã, há sessões emocionantes, momentos de partilha quase poéticos e até algum humor. Na vida real? É um processo mais lento, menos glamoroso e cheio de altos e baixos.
Lembro-me da minha primeira sessão de grupo. Senti-me deslocada, envergonhada e zangada por estar ali. Não foi um daqueles momentos transformadores que vemos no cinema. Mas, aos poucos, comecei a perceber que aquelas pessoas – com as suas histórias, tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidas com a minha – estavam a mostrar-me pedaços de mim que eu ainda não conseguia ver.
A rotina da reabilitação também não tem nada de cinematográfico. É repetitiva, exaustiva, e muitas vezes parece que não estás a ir a lado nenhum. Mas é precisamente essa repetição – as pequenas tarefas, as conversas, os desafios – que começa a construir uma nova base. No meio de tudo, há espaço para humor. Lembro-me de um dia em que uma colega do grupo decidiu que o “truque” para a recuperação era começar cada manhã a dançar. Foi hilariante, porque ninguém tinha jeito para aquilo, mas por alguns minutos, esquecemo-nos de tudo e simplesmente rimos. São esses momentos que te lembram que estás vivo.
Lições do Filme e da Vida Real
Uma das maiores lições que tirei do filme – e da vida – é que a transformação não acontece de um dia para o outro. No início, achava que bastava “decidir mudar”. E, claro, falhei. Falhei várias vezes, até perceber que a mudança é feita de passos pequeninos. Um dia de cada vez, uma escolha de cada vez.
Outra lição fundamental foi aceitar ajuda. No filme, há um momento em que Gwen percebe que não consegue controlar tudo sozinha, que precisa de se abrir e confiar nos outros. Foi um momento que ressoou profundamente comigo. Durante muito tempo, achei que pedir ajuda era fraqueza. Hoje sei que é exatamente o contrário: pedir ajuda é a maior prova de força que podes dar a ti mesmo.
E talvez a maior lição de todas seja esta: não há um “final feliz” na recuperação, porque ela não é um destino. É um processo contínuo, feito de altos e baixos, mas também cheio de pequenas vitórias. Cada dia em que escolhes a tua saúde, o teu bem-estar, é um dia em que estás a vencer.
As Duas Coisas Que Tens de Fazer Antes de Ter um Relacionamento
No filme, vemos Gwen a tentar construir-se antes de se ligar a outras pessoas, e esta é talvez uma das maiores verdades da recuperação: antes de tentares amar outra pessoa, tens de fazer as pazes contigo próprio e com a tua vida.
1. Construir o relacionamento contigo próprio.
Quando estás a recuperar, há tanto de ti que parece estar partido. Antes de te ligares a alguém, precisas de aprender a gostar da pessoa que vês ao espelho. Para mim, isso começou com pequenos gestos: perdoar-me por erros do passado, aceitar que sou imperfeita e começar a tratar-me com gentileza. O amor-próprio não aparece de repente; constrói-se com o tempo.
2. Construir o relacionamento com a tua vida.
Uma relação saudável precisa de estabilidade, e essa estabilidade começa com a forma como geres a tua própria vida. Precisei de criar uma rotina, encontrar pequenos prazeres no dia-a-dia e dar sentido aos meus dias antes de estar pronta para me ligar a outra pessoa. Hoje sei que, quando cuidas da tua vida, consegues partilhá-la com alguém de forma genuína.
28 Dias não é um filme perfeito, mas captou algo essencial sobre a adição e a recuperação: a luta, a vulnerabilidade e os pequenos momentos de transformação que acontecem ao longo do caminho. Mas a vida real ensinou-me muito mais. Ensinou-me que, antes de tentares mudar o mundo à tua volta, tens de começar por dentro. E que, por mais difícil que pareça, o amor – de uma irmã, de um amigo, ou até de ti próprio – é uma das forças mais poderosas que existem.
A todos os que estão a passar por um caminho semelhante, quero deixar esta mensagem: tu vales a pena. Não importa o quão longe sentes que estás, cada passo conta. Aprende a amar quem és e a cuidar da tua vida. O resto virá a seu tempo.
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