Chile em Pessoa
Hoje fui ao mercado com esperança. Aquela esperança genuína, quase inocente, de quem só queria encontrar um chile decente. Um chile com postura. Com brilho. Com presença picante, mas com dignidade.
Mas não.
O que encontrei foi um chile feio.
Feio de nascença, feio de feitio, feio até na alma vegetal. Aquele tipo de feio que nem a luz da banca de legumes consegue disfarçar. Feio tipo “não me pegues sem luvas”.
Mas com atitude. Porque, claro, o chile feio e esburacado é sempre o mais convencido.
Cheguei a casa, olhei para ele e pensei: “Bem, vamos lá ver se ao menos compensa no sabor…”
Spoiler: não compensou. Nem de longe.
O momento culinário trágico
Com respeito total, cortei-o como se estivesse a lidar com um ingrediente sério. Um guerreiro da cozinha. Um agente picante.
Cheirei…
Pivete. Cheirava mal!
Zero emoção. Nenhum sinal de perigo.
Só um leve aroma a decepção com notas de ego ferido.
Atirei-o ao tacho. Esperei o fogo. A explosão. A lágrima.
Nada.
O sabor? Um misto de “sou especial” com “sou só um pimento frustrado”. Um ego inflado com picos de irrelevância.
E depois… o desastre.
Este chile é o tipo de ingrediente que se convida para dar aquele “toque especial” aos bifes.
Mas acaba por queimá-los.
E, como se isso não bastasse, rega-os com vinho tinto barato.
Sim, vinho de caixa, daqueles com cheiro a ressaca e sabor a divórcio emocional.
Porque este chile não sabe o que é vinho decente. Para ele, o rótulo é decorativo e a acidez é uma escolha estética.
Diagnóstico emocional do chile:
É o clássico “sou demasiado intenso para ti” com alma de tempero de pacote.
Acha-se exótico porque já foi uma vez ao Lidl da secção internacional.
Está convencido de que os outros não o entendem — mas na verdade, ninguém quer mesmo entender.
É pequeno, feio, inofensivo e ainda assim armado em estrela Michelin.
Pior que isso, só mesmo o alho que se cola à faca e finge que é indispensável.
Moral da história (com ardor leve):
Nem todo o chile que diz que pica, pica.
E nem todo o drama vem com sabor.
Às vezes, vem só com pose e vinho mau.
Porque é isso mesmo: o chile promete ser quente, é frio, confunde, desaparece… e ainda faz birra.
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