Sabemos que a frase “A idade é só um número” é repetida com tanta frequência que já poderia ter lugar de destaque naquelas t-shirts motivacionais vendidas nas lojas de souvenirs de qualquer cidade turística. À primeira vista, até soa bem. Afinal, quem não gosta de uma pitada de auto-ilusão? Mas a verdade é que, com o passar do tempo, essa máxima vai-se tornando mais… desafiadora, digamos assim.
Lembro-me de ler algo do Mark Twain – sim, aquele homem sábio que disse coisas tão profundas como “A única maneira de manter a sua saúde é comer o que não quer, beber o que não gosta e fazer o que preferia não fazer”. Claramente, ele já tinha ultrapassado a fase de “a idade é só um número”. Mas a essência da frase, por mais divertida que seja, contém um fundo de verdade difícil de ignorar: o nosso corpo nem sempre acompanha a despreocupação do nosso espírito.
Quando tens vinte anos, achas que podes correr uma maratona, dormir quatro horas por noite, e ainda assim estar fresco para a noitada seguinte. E podes mesmo! É o que torna essa década tão perigosamente divertida. Agora, aos trinta, começas a perceber que, se comeres uma pizza inteira às duas da manhã, vais pagar por isso durante três dias. E aos quarenta? Bem, há quem diga que as costas nunca mais voltam a ser as mesmas depois de mover um móvel sem aquecimento prévio.
Mas deixemos de lado as pequenas tragédias físicas e pensemos no lado positivo. Se a idade é só um número, porque é que, quando fazemos 30, 40 ou 50 anos, os números se tornam cada vez mais importantes? É como se fossem uma espécie de checkpoint num videojogo. Chegas aos 30 e pensas: “OK, agora é que é. Vou começar a levar a vida a sério!” E depois, como todos os videojogos, o “level up” traz desafios novos: hipotecas, reuniões de pais, tentativas falhadas de yoga…
Não nos iludamos. A frase “a idade é só um número” é uma daquelas que dizemos quando estamos a tentar convencer-nos de algo, como quando dizemos que o bolo de chocolate conta como uma porção de legumes porque tem cacau, que é uma planta. (Não digam que nunca pensaram nisso). E, na verdade, o conceito de idade como uma simples contagem de anos pode ser demasiado redutor. Somos muito mais do que os nossos dias em que festejamos anos de vida!.
Oscar Wilde, que tinha uma língua mais afiada do que uma faca de sushi, dizia que “A juventude é desperdiçada nos jovens”. E se calhar ele estava certo. Quando és jovem, tens uma energia infinita, mas um orçamento limitado. Quando tens alguma experiência de vida (e uma conta bancária decente), as tuas reservas de energia já foram há muito sugadas por prazos de entrega, obrigações sociais e aquela inevitável necessidade de dormir antes das 23h.
Mas a idade tem as suas vantagens. Começas a perceber o que realmente importa. Vais ficando mais seletivo com o teu tempo, as tuas amizades e até os teus hobbies. E com sorte, desenvolves aquela sabedoria que só vem com o tempo, como perceber que nunca deves discutir com alguém no Twitter (ou com um adolescente, já agora).
Portanto, sim, a idade pode ser só um número, mas é um número com camadas, como uma cebola. E tal como uma cebola, pode fazer-te chorar de vez em quando, mas também dá um sabor especial a tudo o resto. No fim de contas, seja qual for o número que o teu calendário te atribui, o que importa é como escolhes vivê-lo. E se, daqui a uns anos, te apanhares a dizer “a idade é só um número” enquanto usas uma t-shirt com uma frase motivacional, bom, talvez estejas no caminho certo.
Mas se calhar devias começar a fazer alongamentos antes de mover esse sofá.
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