Caro ex-ocupante do meu espaço,
Recebi a tua mensagem com a mesma surpresa com que uma borboleta descobre que já não tem asas, mas apenas uma leve brisa para se sustentar. Quanta poesia, quanta profundidade no teu raciocínio, e eu, pobre de mim, que pensava que estávamos apenas a falar de uns minutos de sono. Afinal, estávamos a debater o cosmos, o espaço que ocupamos nas mentes um do outro, como filósofos distraídos em busca de sentido.
Ah, a frase dos nossos tempos de juventude... tão simbólica! De facto, “coisar ou sair de cima” é um dilema shakespeariano. Mas que alívio saber que, após profunda meditação, decidiste largar esse trono imaginário.
Respeito o teu desejo de libertação, como o respeitaria a uma gaivota que, finalmente, se cansa de planar sobre o mesmo penhasco e decide voar para outras paragens. Mas, por favor, não te preocupes com boias! Tenho plena confiança de que sabes nadar nas águas da tua introspeção sem precisares de tais apetrechos flutuantes.
Algumas das tuas palavras senti-as, contudo, tão envoltas numa névoa de nostalgia barata, que me fizeram lembrar uma bela balada pimba – daquelas que se ouvem na rádio, mas que rapidamente trocamos de estação quando percebemos que o refrão vai durar para sempre. Estranheza? Não, o que senti foi mais um alívio, como quem tira os sapatos apertados no fim de um longo dia.
Eram diárias, as nossas conversas, é verdade. Mas agradáveis? Isso é assunto de debate, como o enigma de o não "coisar" e nem sair de cima, que tu, nobre filósofo do coração aflito, mencionas com uma profundidade digna de festas de verão, quem sabe as tão faladas festas do mar de Cascais…
Aqui ficarei, admirando o espetáculo, com a esperança de que, sem essa "dependência diária", possa finalmente ter as minhas noites de sono ininterrupto – quem sabe até sonhar com metáforas tão brilhantes quanto as tuas.
A tal "importância" que dizes ter ocupado em mim... Oh, que doce ilusão! Mais importante foi o silêncio que se seguiu à tua ausência, um verdadeiro fado sem retorno. E sim, a palavra era outra, mas já que estamos no terreno da sinceridade: já era realmente tempo de deixares de "não coisares" e saíres de vez.
Já agora, eu também aprendi a nadar sozinha há muito, e a maré já me levou para águas mais claras, sem a tua "dependência diária" a puxar-me para o fundo.
Respeito? Agradeço o esforço, mas poupa-te. Como diria qualquer grande cantor popular: “Sai da minha vida, já não és o meu par.”
E para terminar e voltando quase ao início, se a ideia é não "coisar nem sair de cima", talvez o melhor seja dares uma passagem pelo corredor das frutas do primeiro supermercado que encontrares e procurares não uns bons ananases mas outra fruta qualquer.
E por favor, deixa as abelhas de lado – elas podem sentir-se ameaçadas, e ninguém quer terminar com uma picada indesejada, não é assim? Afinal, dor não está no menu de ninguém!
E agora sim, estou livre para dançar ao ritmo de outra canção.
Sem mais,
A tua musa desocupada
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