Faz uns anos que conheci o meu Surfista. Veio até mim, instrutor de nada senão da alma e mais qualquer coisa de especial. Desconfiada, até porque, de surf pouco sabia e dele nada mesmo. Batia-lhe o cabelo depois dos ombros, como suposto, e carregava nas bochechas horas de sol. Os olhos escuros sorriam por si, sem precisarem da ajuda da boca, tal como sempre imaginei. Foi ele quem me viu primeiro.
Robin Sharma escreveu uma vez que para nos encontrarmos precisamos de um Santo, de um Surfista e de uma Executiva, porque cada uma das personagens traz vírgulas bonitas para a nossa história. E, por isso, faz uns anos que conheci o meu Surfista. Sentíamos os dois o quente dos paralelos e a rigidez da pedra, quando as raízes que os corpos criavam no chão o trouxeram até mim. A nossa diferença de idade era abismal, mas nem por isso houve falta de interesse mútuo.
Confesso, não estava atenta, mas interessada. Aconteceu
tudo muito ao acaso. Foi tudo muito intenso e durou apenas o que eu fui capaz de aguentar... Anos bons!
Perguntou-me tanto sobre mim que me vi obrigada a responder e a dizer em voz alta as minhas decisões então mais recentes, os meus medos em relação ao futuro próximo, o ontem que me trazia ali e o amanhã que me levaria a outro lugar qualquer. Estava receosa e desconfiada, mas, não minto, curiosa. Aquele miúdo segurou um espelho ao peito e ficou à minha frente, à minha altura, enquanto eu me confessava e revia.
Despedi-me dele na minha loucura de horas feitas, quando me pediu que olhasse por um breve minuto para o sol a esconder-se.
“Não é bonito?” – disse.
E era. Era imensamente bonito e delicado, vestido num tom laranja tempestade.
Provocou entre nós um silêncio, mas jamais desconfortável. Provocou, aliás, todos os silêncios bonitos do mundo num só, como quando se ouve a madeira do lume a crepitar debaixo da manta de inverno.
Quando o sol se deitava no mar, disse, chamando-me pelo nome:
“É agora. Vamos nessa? Tens coragem para o que se segue?”
Bebi de cada palavra. Sustive a respiração em cada
virgula. Engoli em seco por cada brilho nos seus estreitos olhos. Voltei a
contemplar o sol enquanto partia, também ao som da despedida do meu Surfista,
dizendo-lhe um até amanhã...
Faz uns anos que conheci o meu Surfista e que ele me deu o conforto que ainda hoje não sai da memória da minha pele e da minha boca. Ali, naquele momento, naquele espaço de tempo infinito, os meus olhos emocionados ardiam no vermelho da água e na paz do céu, enquanto o sol beijava o mar devagarinho e o mar o aninhava, mole, na canção da maré.
Hoje, o mundo não está igual, nem sei bem onde andará o meu Surfista (ou até saberei, mas prefiro não o imaginar). Os tempos, mais frios e mais cinzentos, não o deixam andar descalço ou à minha procura. Ainda assim, o pôr do sol ainda existe nas janelas dos quartos, nas varandas das casas. O céu fica rosa todas as tardes para ficar escuro todas as noites. Os dias não têm mais horas, mas o segundo em que a luz beija finalmente a Terra resiste. Existe. E será para sempre meu. E será para sempre Nosso.
E com esta música me deixou, pedindo que para ele voltasse...
Ai o meu desapego! Ninguém me livra dele...
Comentários