Se já ninguém acredita que o amor e uma cabana sejam mais uma receita eficaz para mais do que um fim de semana, nenhum palácio, nenhum hotel de cinco estrelas, nenhuma penthouse com vista sobre o Tejo satisfazem o seu possuidor se não forem palco esplendoroso ou cenário discreto de uma história de amor.
Isto para dizer que no nosso tempo, como provavelmente em todos os tempos, se valorizamos particularmente as condições materiais de vida, não conseguimos desvalorizar a subjectividade dos afectos.
Mas enquanto que, para a aquisição de bens e serviços, temos treinos e aprendizagens - tiramos cursos, aprendemos línguas, sabemos o que fazer para comprar um carro ou uma casa - em relação aos afectos sabemos sempre de menos ou, o que é pior, nem sequer sabemos o que sabemos.
Em qualquer caso, e aí reside mais um dos irresolúveis enigmas dessa coisa complexa que é a condição humana, vivemos mal sem amor e dificilmente vivemos bem com amor.
Dizendo de outra forma, por um lado não queremos viver sem amor - sem emoções e sentimentos que signifiquem intensamente o dia a dia - mas, por outro, temos tanto medo que desenvolvemos estratégicas absurdas para o evitarmos.
Não queremos viver sem amor e, já agora, não podemos. Não podemos viver bem, apenas sobreviver. Claro que dá para adormecer e acordar todos os dias e desempenhar as tarefas que são supostas.
Mas, sem a proximidade a um grande amor, povoa-se a vida de pequenos amores investidos, sobreinvestidos, reinvestidos. Tudo esticadinho ao máximo para parecer muito e se sentir o mais possível.
Tudo junto, pode ser muita coisa e pode-se aproveitar quase tudo o que há: familiares, amigos, uma fé, uma causa, uma actividade, uma crença. Tudo serve ou pode servir como objecto de amor.
Mas aquilo de que falo quando quero falar de amor, refere-se a uma relação indefinível por palavras mas sensível e preenchente que todos esperam e que, quando acontece dá para reconhecer.
Só que aí, o ser capaz de viver um amor ergue-se como um desafio. Difícil e complicado.
Começo com uma suspeita sistemática sobre as intenções do outro. Como se ele quisesse de mim alguma coisa proíbida ou ilegítima, como se me pudesse roubar qualquer coisa de vital, ou como se ele fosse em si mesmo, só porque existe, um perigo, uma ameaça.
Ultrapassada essa barreira defensiva, quer dizer, uma vez tranquilizada e crente que os outros afinal também gostam de mim por nenhuma razão especial e que portanto não me vão ficar com as pratas da família, ou com dois bocados de alma, passo á fase seguinte.
Esta consiste, no essencial, em arranjar imbróglios. Tudo serve nesta congeminação destinada a fazer prova de amor: ou é a família que não apoia a relação por eu ser uma mulher divorciada, que retomam ciclicamente como pesadelo corporizado e fantasma maléfico, ou é um parente ou um amigo toxicodependente ou com uma situação rara, que interferem a cada passo.
Á falta destes argumentos, que quase toda a gente tem disponíveis como fontes de preocupação e empecilhos à vivência de um grande amor, arranjam-se outros de segunda linha.
Aí, são as dificuldades geográficas ou de horários, género "moras longe", "tenho que trabalhar até tarde", …. De argumento em argumento chega-se a um nível superior de construção ideativa: o da competição.
Não fica necessariamente em jogo quem é que ganha mais ou é mais importante. Muito mais frequente é a contabilização dos gestos e procedimentos que exprimem quem gosta mais, quem faz mais pela relação ou pelo outro, ou pelo projecto de vida ou pelo futuro ou coisas assim, que se prestam a discussões infinitas e a conclusões inconclusivas.
Se, no meio disto tudo, o amor não se dissipa nem se transforma em hábitos e rotinas… está-se cheio de sorte e pode-se dizer que se pode viver um grande amor.
Há quem diga que os grande amores têm prazos de validade.
Percebe-se porquê. Para serem grandes têm que ser permanentes e invasivos. Têm que provocar tensões, ansiedades e medos de perda. Precisam de drama e de mistério. Precisam de inacessibilidades, de presenças e ausências, de partidas com lágrimas e de regressos apaziguadores. Precisam de um movimento, de uma cor e de um cheiro que os torne únicos.
Estupidamente, eu, protagonista de algumas destas histórias de amor, não preciso de nada disto. Não aguento tanto folclore com facilidade e acabo repartida entre a ideia de que "é bom", e "isto não pode continuar"; "é muito bom", "devo estar louca", "é o homem da minha vida", "ninguém faz isto"; "tenho que pôr ordem na minha vida" e " que coisa mais anormal".
Vai daí, suspiro pela normalização da relação, pelo momento em que tudo decorra tranquilamente.
Desejo ser capaz de me voltar a preocupar com assuntos banais, com temas sem nenhuma referência ao outro.
Espero o dia em que, sem mágoa, o possa mandar de fim de semana com os amigos ou à pesca para longe.
Claro que, quando esse momento chega e se instala, quando o amor se adquire como facto consumado, esperado e devido deixa-se o território do grande amor.
Fico com a nostalgia de uma iniciação, a saudade do que já foi, o compromisso desejável entre o tudo e o nada. Ou então reinicio o ciclo de procura de sentidos e lá vou eu outra vez… hesitante.
"Quem me livra deste amor que não escolhi, meus Deus livra-me de mim!.
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